quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Piqué: queda de rendimento?

Piqué: queda de rendimento?


     Atenção: esse texto é apenas uma tradução de um texto do WhoScored, produzido originalmente pelo jornalista Dermot Corrigan. O texto original você pode encontrar aqui. Créditos totais a ele!
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Gerard Piqué não ser convocado para 2 jogos internacionais pelo técnico da Espanha, Vicente Del Bosque, parece se adaptar perfeitamente ao que vem se dizendo sobre o zagueiro do Barcelona atualmente.

Del Bosque decidiu que não precisaria de Pique para o amistoso de quinta-feira contra a França [que acabou 1-0 para os Bleus] e para a estreia das eliminatórias da Euro 2016, em casa, contra a Macedônia [que acabou 5-1 para La Roja], dando oportunidade para zagueiros mais jovens como seu companheiro de clube Marc Bartra e um zagueiro do Athletic Club Bilbao, Mikel San Jose.

O anúncio foi uma surpresa, mas não inesperada. Existe um sentimento comum que esse jogador, que com apenas 25 anos já tinha vencido a Copa do Mundo de 2010 e a Euro 2012 com sua seleção, além de 4 títulos de Liga e 3 Champions League com Barcelona e Manchester United, teria uma queda em sua forma nos últimos anos. Del Bosque disse que a razão de ele ter ficado de fora foi um "desconforto" no quadril, uma lesão que se arrasta desde a temporada passada [o que foi comprovado ser verdade quando o espanhol foi reserva de Mascherano e Mathieu no jogo do Barcelona contra o Athletic Club Bilbao]. Essa razão é questionada por alguns.

A notícia vai ao encontro da percepção popular sobre Pique de que tanto sucesso em tão pouco tempo teria tirado seu foco no futebol. Sua companheira pop-star Shakira, seu gosto por torneios de poker e o fato de ele ter começado uma empresa de vídeo-games eram algumas das evidências de que - apesar de ter apenas 27 anos - ele teria perdido sua vontade e intensidade necessárias para ser um zagueiro de alto nível. Histórias sobre uma bomba de fedor que ele teria soltado em um avião rumo a um amistoso de pré-temporada do Barça na Finlândia foram amplamente espalhadas e tomadas como verdade. Muitos torcedores e jornalistas questionam se ele merece continuar no time titular.

Essa é uma percepção que deve ser questionada por alguns motivos. Primeiramente, o rumor da bomba de fedor nunca foi oficialmente confirmado. Segundo, uma olhada nas estatísticas recentes de Pique nas últimas temporada mostra que seu nível não caiu nem perto do que alguns parecem acreditar.

Durante a temporada 2013/14 da Liga, o catalão jogou 26 vezes, com uma média de 2.1 desarmes, 2 interceptações e 5.5 bolas afastadas em média por jogo.
Na temporada 2012/13 foram 1.8 desarmes, 2.2 interceptações e 4.5 bolas afastadas em média por jogo.
Na 2011/12, suas médias eram 1.5 desarmes, 1.3 interceptações e 2.4 bolas afastadas por jogo.
Em 2010/11, os desarmes eram 1.7, interceptações 1.9 e bolas afastadas 3.7 em média por jogo.

Player Focus: Was Del Bosque Right to Leave Pique Out of Spain Squad?

É óbvio que existem algumas variações estatísticas, mas os números mostram que Pique não caiu de rendimento, pelo contrário, ele está desarmando, interceptando e afastando mais bolas por jogo que nas temporadas anteriores. A última temporada foi a que ele mais trabalhou na defesa, presumivelmente porque essa foi a temporada em que a defesa do Barcelona mais foi pressionada pelos adversários.

Apesar de não ter sido convocado pela Espanha, Pique foi o melhor defensor do Barcelona na vitória por 1-0 contra o Villareal naquela semana. A defesa blaugrana sofreu em alguns momentos, o Villareal acertou a trave 3 vezes, mas foi a atuação de Pique que salvou o time. Jeremy Mathieu teve um jogo muito fraco aquele dia.

Pique anotou naquele dia 1 desarme, 1 interceptação, 1 bola afastada e um chute bloqueado, suficientes para receber uma nota 7.03. Seu parceiro de zaga foi mais diretamente ativo, com 2 desarmes, 1 interceptação e 4 bolas afastadas, mas o francês esteve diretamente envolvido nas 3 melhores chances criadas pelo Villareal, marcando um placar de apenas 6.81.

Contudo, o veterano de clube, que ainda é 3 anos mais novo que Mathieu, foi muito melhor com a bola nos pés. Pique deu 63 passes no jogo, com aproveitamento de 95% - o maior entre todos os jogadores em campo. Seu parceiro Mathieu, por sua vez, acertou apenas 44 passes, totalizando 80% de aproveitamento. Considerando a quantidade de posse de bola do Barcelona no jogo (72%) e o Villareal tendo a mesma postura que praticamente todos os outros adversários do Barcelona, que se defendem e buscam o contra-ataque, a compostura de Pique e sua capacidade com a bolas nos pés permanecem importante para os planos de Luis Enrique no time.

Considerando que esse foi apenas o segundo jogo de Mathieu pelo Barcelona desde sua contratação por €20M junto ao Valencia, seria injusto fazer qualquer análise. A parceria Pique-Mathieu vai precisar de tempo para se entrosar e ainda pode dar certo, mas os dados acima explicam parte da dificuldade recente da defesa culé.

Com os problemas no joelho que amaldiçoaram Carles Puyol nas últimas temporadas, Pique teve uma enorme gama de parceiros na zaga - todos de quem ele teve que cuidar durante os jogos. Javier Mascherano foi readaptado, Marc Bartra era inexperiente e até Adriano Correia apareceu como alternativa de emergência. Mathieu - e provavelmente Vermaelen daqui a alguns meses - vão precisar de sua ajuda durante a primeira temporada que passarem em um clube com um estilo de jogo tão único como o Barça.


Player Focus: Was Del Bosque Right to Leave Pique Out of Spain Squad?

Esses argumentos, contudo, ainda não explicam sua queda de nível jogando pelo seu país. Pique jogou apenas 1 jogo da Copa do Mundo, a surpreendente derrota da Espanha por 5-1 para a Holanda. Nesse jogo, Pique foi driblado 3 vezes e registrou uma fraca nota 5.93. Del Bosque reagiu a essa partida colocando Javi Martínez em seu lugar, enquanto Pique assistiu o resto do torneio do banco de reservas.

Isso nos traz de volta à lesão mencionada por Del Bosque. Pique fraturou seu quadril em uma disputa aérea contra Diego Costa em um jogo contra o Atlético de Madrid nas quartas-de-final da Champions League em Abril. Ele então forçou sua recuperação para jogar a "final" da Liga, novamente contra o Atlético de Madrid, o que provavelmente significaria que ele não se recuperaria 100% para a Copa do Mundo.

Não estar 100% não é nenhuma novidade para Pique - ele já teve problemas na panturrilha e no joelho em temporadas recentes e já perdeu 1/3 dos jogos de Liga nos últimos 3 anos por lesões desses tipos. A última lesão pode ser cômica por envolver quadris [que em inglês é hips, automaticamente lembrando a música de sua companheira Shakira - Hips Don't Lie], mas parece explicar muito mais sua forma do que a acusação injusta de perda de motivação.

Era uma coisa sensata que Pique não jogasse pela Espanha naquela semana para poder se concentrar em sua recuperação definitiva de uma vez por todas. Ainda naquela semana, Pique declarou o quanto era grato a Del Bosque por entender sua situação e poupá-lo da convocação. Mais do que uma possível perda de foco, as lesões e constantes mudanças de companheiro de zaga parecem ser seu maior problema. Parafraseando a música de Shakira: estatísticas não mentem [statistics don't lie, no original].

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Contratações 2014-15

Contratações 2014-15




     A janela de Julho/Agosto de 2014 foi provavelmente a última do Barcelona até janeiro de 2016, graças à sanção imposta pela FIFA que proíbe o clube de contratar jogadores por causa de irregularidades na contratação de jovens estrangeiros. Com uma temporada 2013-14 fraca, restava ao clube se mover se quisessem ter alguma chance nas competições da próxima temporada. Acima de tudo, Bartomeu e sua diretoria sabem que qualquer chance de reeleição em 2016 passa por ter sucesso esportivo nas próximas temporadas. Eles precisavam se mexer e se mexeram. Mas será que as contratações foram boas? Façamos uma análise de cada uma e do time como um todo com os novos jogadores.

ps: não falarei de Halilovic porque o considero contratação para o Barça B.

Diretoria disse que teria até €120M em caixa para contratações, mas se contadas as vendas o valor gasto não chegou a €80M.
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Ter Stegen



     Marc-André Ter Stegen, ou simplesmente Ter Stegen, tem 22 anos e já é considerado uma das maiores promessas alemãs na posição. Destacado no Borussia Monchengladbach por sua capacidade de jogo com os pés, o Barcelona o contratou para substituir ninguém menos que Victor Valdes, maior goleiro da história do clube desde Zubizarreta. Apesar de não ter participado da Copa do Mundo de 2014, Ter Stegen é o sucessor natural de Neuer na seleção alemã quando ele se aposentar. Na época, especulava-se que Courtois também era uma opção pro clube. Eis uma comparação estatística entre o alemão e o belga.


     Ter Stegen é superior em quase todos os números, exceto em defesas por gol sofrido e em número de clean sheets (jogos sem sofrer gol). O mais impressionante é que Courtois jogava no time com o melhor sistema defensivo da Europa, o Atlético de Madrid, enquanto o Ter Stegen jogava no apenas mediano Monchengladbach. Rendimento absurdo para um goleiro de apenas 22 anos.

     Durante sua carreira no clube alemão, Stegen jogou 127 jogos, levando 136 gols (1,07 por jogo) e acumulando 45 clean sheets (35%). Mais do que sua capacidade defensiva, Ter Stegen era o começo de todo jogo do time, um verdadeiro "sweeper keeper" - definição do goleiro moderno, que é mais que um mero "parador" de bolas, mas que também antecipa jogadas e começa ataques.

     Os números de Ter Stegen são impressionantes e ele tem tudo para ser, a longo prazo, a melhor contratação dessa janela de transferências. Não apenas o preço foi bom (€12M) como se pagará sozinho com o tempo, se cumprir seu potencial. Aposta fácil e válida. Nota: 9.
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Claudio Bravo



     Se Ter Stegen é o futuro, Claudio Bravo é a garantia pro presente. Titular e capitão da seleção chilena, o ex-goleiro da Real Sociedad era um dos melhores jogadores com os pés em La Liga e justamente por esse critério foi um pedido específico de Unzue, treinador de goleiros do time. Experiente, Bravo será titular durante o período de adaptação de Ter Stegen ao clube e/ou quando o alemão não puder jogar, além de provavelmente em jogos da Copa do Rei.

     Bravo não é o tipo de goleiro que chama atenção por lances espetaculares. Existem basicamente 2 tipos de goleiros: os que impedem chances claras e os que não as deixam acontecer. Casillas, Courtois, Cech e outros goleiros famosos são da 1º categoria; Bravo, assim como era Valdés, é da 2º. Você não o verá com frequência impedindo gols certos, mas frequentemente o verá evitando situações que possam gerar perigo.

Comparação estatística entre Bravo, Valdés e Stegen

     O problema é que ele não é exatamente um grande goleiro. De defesas impossíveis a falhas bisonhas, Bravo consegue ir do céu ao inferno em questão de minutos. Não que seja frequente - especialmente entre goleiros isso é normal -, mas chama atenção. Não significa absolutamente nada para sua sequência no clube, mas logo em sua estreia na pré-temporada ele fez exatamente isso: grandes defesas seguidas de uma falha grotesca que gerou o 1-0 do Napoli em chute de fora da área de Dzemaili.

Do Céu ao Inferno

     Outra questão delicada é como sua chegada afetará o progresso de Masip, goleiro que até a temporada anterior jogava no Barça B e, por méritos, havia sido promovido e teve seu contrato renovado. Imaginava-se que essa seria a temporada em que ele receberia uma chance de verdade, mas parece que Masip conta com apenas um pouco mais de prestígio que Oier, 3º goleiro do time na temporada 2013-14 que deixou a equipe rumo ao Granada após perceber que não teria chances no clube. Se acontecer será um pouco injusto, considerando a ótima temporada do espanhol no Barça B. Ao mesmo tempo, se Bravo foi contratado por €10M para sequer jogar (o que não deve acontecer), foi um mal negócio.

     Ponderando os prós e contras, Bravo é provavelmente a contratação mais enigmática dessa janela de transferências. É uma garantia para caso Ter Stegen tenha dificuldades de adaptação, mas é muito caro para ser mero reserva. É uma óbvia melhora ao anterior 2º goleiro da equipe, José Pinto, mas também não é um goleiro que vá melhorar com o tempo. Uma solução e um problema para Luis Enrique, que terá 3 goleiros de bom nível e poucos jogos para dosificar os minutos de cada um. Nota: 6.
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Mathieu



     Até a chegada de Douglas e de Vermaelen, Mathieu era a contratação mais contestada da janela. "Como assim depois de 4 anos com a posição carente contratam um zagueiro de 30 anos que só jogou no Valencia como time grande?", perguntavam alguns. Há certa verdade nisso, Mathieu não é a contratação ideal, mas a maior parte é preconceito. Mathieu foi muito bem em seu tempo no Valencia e traz ao clube algo que há tempos perdemos: equilíbrio e versatilidade. Não vou me alongar nesse post porque já falei de Mathieu em outro. Se ainda não leu, clique aqui e leia! Nota: 8.
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Vermaelen



     Vermaelen só não é a contratação mais polêmica da janela graças ao fenômeno Douglas. Mas ele chegou quase lá. Ex-capitão de Arsenal e Ajax, Vermaelen, no papel, está mais que acostumado ao estilo de jogo intenso e dinâmico que é comum às três equipes. 'Verminator', como já foi chamado, já foi considerado um dos melhores zagueiros da Premier League: sólido defensivamente e muito bom no apoio ao ataque. O problema é que, na prática, ele não é assim há algum tempo e boa parte da culpa é das lesões.

     Se a ideia era contratar um jogador que substituísse Puyol, Vermaelen já pode dizer que tem algo em comum com El Capitá: sofreu 10 lesões nos últimos 18 meses, jogando apenas 1 jogo a mais que Puyol nesse mesmo período. Na temporada 2013-14, Vermaelen disputou apenas 21 jogos de mais de 50 possíveis, a maioria deles entrando como reserva. Mertesacker e Koscielny formam atualmente uma dupla segura no time dos gunners, mas nenhum é exatamente brilhante pra desbancar um jogador que supostamente será reforço pro Barcelona.



     A contratação de Vermaelen realça tudo que está de errado atualmente no planejamento do Barça: planejamento, olheiros do time principal, habilidade de negociação, entender o mercado, entre outros. Para efeito de comparação, o preço pago por Mathieu+Vermaelen hoje equivaleria ao que se recusaram a pagar por Thiago Silva em sua época de Milan: €40M. €10M (+€5M~8,75M em caso de título da Champions League/número de jogos disputados) não é exatamente um grande preço, mas é ser austero na posição mais carente da equipe nos últimos 4 anos. A esperança em sua contratação passa muito por torcer para que ele supere seu histórico de lesões e recupere sua grande forma de 3/4 temporadas atrás. Nota: 4.
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Douglas



     Douglas é uma incógnita. Não o jogador em si, de quem praticamente ninguém espera nada, mas as razões que levaram a sua contratação. Em sua época de seleção sub-19 já foi promissor, mas desde então não confirmou as expectativas e 24 anos não é exatamente uma idade que permita uma margem de evolução grande. Se a ideia era contratar um lateral brasileiro na esperança de ele ter o mesmo sucesso de Daniel Alves em seu auge - que foi o melhor lateral-direito da história do Barça -, Myke (Cruzeiro) e Auro (São Paulo) são alguns dos vários exemplos de jogadores mais jovens e mais promissores.

Douglas já começou bem no clube

     Douglas é a reafirmação de um problema crônico no clube: incapacidade de encontrar jogadores bons e baratos para o time principal. É difícil encontrar Varanes, Marquinhos e jogadores de potencial sem um sistema de olheiros decente. Se um jogador demonstra potencial, ele vale a aposta. No caso de Douglas, parece que descobriram ele enquanto observavam Rodrigo Caio. Não foi uma aposta planejada, foi acaso. E em menos de 1 mês concluíram que ele servia pro Barcelona. Suas características, segundo Zubizarreta em notícia publicada no site do clube, são "sua facilidade para apoiar o ataque e sua capacidade tanto na direita quanto na esquerda, além de seu jogo associativo. Tem bom passe e boa postura defensiva, sendo bom no jogo aéreo. Sua chegada nos dá mais alternativas na posição e vai aumentar nossas alternativas de jogo". Não devemos estar falando do mesmo jogador.

     De verdade, não é que Douglas seja tão ruim quanto a torcida do São Paulo faz parecer. A maior parte o odeia pelo simples prazer de odiá-lo, mas nos últimos jogos que assisti ele foi um lateral correto... pro padrão campeonato brasileiro. Pra jogar no Barcelona é outra história. A não ser que sob o comando de Luis Enrique sua carreira tenha uma evolução astronômica, é difícil imaginar que ele tome a posição até de Montoya.

     Outra coisa que levanta suspeitas é sua conexão com a Traffic, agencia de jogadores de futebol que, entre outros, já agenciou Keirrison e Henrique, ambos contratados durante a gestão Laporta, que foi investigado por supostamente lucrar de forma ilegal com a compra supervalorizada desses jogadores gerenciados pela empresa. André Cury, hoje funcionário do Barcelona que trabalha com as negociações, já trabalhou na Traffic. Segundo jornais, o preço de Douglas foi €3,6M ao SPFC (palavras do presidente do clube) + €1 ~ 2M para a empresa. Suspeito, pra dizer o mínimo.

     De qualquer forma, agora que ele é jogador do clube, só nos resta torcer por um milagre. Nada indica que Douglas se tornará um jogador de alto nível, mas poucos apostavam em Xavi até a chegada de Van Gaal, só pra citar um exemplo. A diferença nesse caso é que o talento sempre esteve ali pra quem conseguia ver. No caso de Douglas, se o talento está ali, a diretoria do Barcelona foi a primeira no mundo a ver. Nota: 2.
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Rakitic



     Rakitic é possivelmente a melhor contratação dessa janela, pelo menos a curto prazo. Com a diminuição da importância que a chegada de Luis Enrique promete a Xavi nessa temporada, um meio-campista orquestrador era mais que um luxo: era uma necessidade. É bem verdade que o croata sempre jogou mais avançado pelo Sevilla do que Xavi costuma jogar pelo Barcelona, mas o começo de temporada como blaugrana indica que Rakitic tem tudo para ser o substituto de Xavi que Cesc Fábregas nunca conseguiu ser - menos por culpa dele e mais por quem esperava algo que ele não era.

Estatísticas de Rakitic no Sevilla na temporada 2013-14


     Os dados são do site StatsBomb. Como o gráfico mostra, as partes fortes do jogo de Rakitic são:

- 'Key passes' (passes que geram chance de gol aos companheiros de time), 2.5 em média por jogo - superior a Xavi nas últimas 2 temporadas (1,82/jogo) e similar a do espanhol em seu auge (entre 2009 e 2012), quando tinha os mesmos 2,5/jogo.

- As raras vezes em que é desarmado, em média 1 vez por jogo - números que, curiosamente, superam Xavi em seu auge, mas não nas últimas temporadas, em que raramente é desarmado (0,75 e 0,6/jogo, talvez por tentar menos jogadas como antes).

Você pode encontrar explicações para as outras abreviações no glossário do site (recomendado).

Mas na prática, como Rakitic joga no Barcelona? Vejamos alguns dados de seu jogo contra o Elche, sua estreia oficial pelo Barcelona:


     Rakitic conseguiu um ótimo número de 104 passes certos de 111 tentados nesse jogo. É verdade que a maioria foram passes curtos (como no gráfico da maioria dos jogadores do Barcelona seria), mas mesmo as bolas longas tiveram bom aproveitamento, como mostra o gráfico. 104/111 é um aproveitamento de 93%, similar ao de Iniesta e Xavi em temporadas anteriores.


     Esse gráfico mostra o posicionamento de Rakitic, essencialmente pelo centro/direita do campo. Talvez esse seja o aspecto mais importante do seu jogo: ele não é um mero criador de jogadas, ele entende sua responsabilidade defensiva. No jogo, Rakitic frequentemente ocupava o lado direito do campo para cobrir as subidas de Daniel Alves, alternando com ele o posicionamento mais avançado ou mais recuado. A defesa no Barcelona começa já no ataque e é conseguir executar isso bem que marca a diferença entre um time compacto e um time vulnerável.

     Por sua capacidade criativa e consciência defensiva, Rakitic é provavelmente a melhor e mais necessária contratação do Barcelona nessa janela de transferências. É inútil rotulá-lo como "o novo Xavi" - esse tipo de comparação só faz mal a qualquer jogador -, mas os indícios são de que ele será uma ótima contratação a médio prazo do clube. "Eu quero jogar meu futebol, não sou Xavi, Iniesta ou Fábregas. Quero trabalhar duro para conseguir meus objetivos", disse ele em sua apresentação. Sua adaptação foi ótima e sua evolução é nítida. Pode-se argumentar que o preço (€18 + 3M) foi caro para um jogador em seu último ano de contrato, mas as necessidades e o poder aquisitivo do clube fazem com que nenhum rival espanhol cobre menos do que pode do Barça (vide caso Mathieu). Nota: 10.
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Luis Suárez



     Tecnicamente, indiscutível. Moralmente, um debate sem fim. Afinal, qual é o Luis Suárez que o Barcelona está contratando - o chuteira de ouro da Europa na temporada 2013-14, com 31 gols, ou o problemático jogador que frequentemente está suspenso, entre outros motivos por morder adversários (3 vezes em sua carreira) e um suposto caso de racismo (caso Evra)? Parece clichê, mas o tempo dirá.

Em azul, a média dos atacantes; em vermelho, Suárez
     O gráfico não mostra tudo, mas já dá uma ideia de como Suárez é especial. 31 gols sendo que ele sequer era o cobrador de pênaltis oficiais do Liverpool (Gerrard faz esse papel) já é um número assustador por si só e se pegarmos um momento da temporada 2013-14 de Suárez para efeitos de comparação - usaremos aqui seus números de agosto até dezembro de 2013 -, sua média estava em 1,53 gols a cada 90 minutos, comparável apenas a Messi em sua melhor temporada em La Liga (2012-13, com média de 1,55 gols/90 minutos). Talvez o mais impressionante seja que o uruguaio não teve um Xavi ou um Iniesta para alimentá-lo no ataque - o sistema tático complexo de jogo direto e transições rápidas criado por Brendan Rodgers ajuda muito, mas não dá para comparar as possibilidades de um jogador desse nível em um time com Gerrard-Henderson-Coutinho no meio-campo com um que tenha Busquets-Rakitic/Xavi-Iniesta.

     Isso dito, é importante ressaltar: Liverpool e Barcelona hoje são bem diferentes. Bastante MESMO. Eu diria que são estilos quase diametralmente opostos - porque como oposto eu definiria a Inter e o Chelsea ultra-defensivos da época de seus títulos europeus. Uma equipe joga em transições insanamente rápidas da defesa pro ataque, com enfoque em bolas longas e finalizações de fora da área, enquanto a outra só mais recentemente (desde a última temporada de Guardiola) começou a introduzir as transições defesa-ataque rápidas, mas que ainda prefere a troca constante de passes como arma tanto ofensiva quanto defensiva e de raras finalizações de fora da área - ainda que Luis Enrique esteja estimulando essa prática ultimamente. Como encaixar Luis Suárez no time então?


     Há algum tempo discuto a necessidade da contratação de um atacante de área. Não apenas como 'plano B', como sugeriam alguns, mas como 'plano A'. Daniel Alves certa vez disse que "o melhor plano B é melhorar nosso plano A" e ele estava certo. Mas como melhorar um estilo de jogo já definido e introduzir alternativas? Suárez pode ser a resposta.

     De sua chegada até sua saída da albiceleste, o maior trunfo de Sabella foi conseguir um criar um sistema tático que permitia ter 4 dos melhores jogadores de ataque da atualidade: Di Maria, Higuaín, Aguero e Messi. A novidade foi o posicionamento de Messi: não mais como atacante, mas como o que os argentinos chamam de 'enganche'. Simplificadamente, enganche é o 'camisa 10' do time, o criador de jogadas no meio-campo. Messi era pra Argentina um enganche moderno: criava e chegava ao ataque com a mesma frequência. Com o espaço aberto pelos atacantes, principalmente pelo 9 da área, Higuaín, Messi ganhava espaço entre as linhas de defesa e do meio-campo para atuar com liberdade.

     Esse é o efeito que Suárez pode replicar no Barcelona: liberar Messi para essa função que ele faz tão bem de criar jogadas. Com Neymar e Suárez no ataque, imagina-se (e torcemos muito para) que os companheiros de Messi desperdicem menos chances que ele criar. Isso não diminuiria significativamente sua participação ofensiva e sua contribuição no número de gols do time, como mostrou a Copa do Mundo (4 gols) e as eliminatórias sul-americanas da Copa (10 gols em 16 jogos, somados aos 9 gols de Higuaín, aos 5 de Aguero e aos 3 de Di Maria). Se resta alguma dúvida de sua capacidade criativa, basta assistir esse [frustrante] vídeo:

 Messi deve passar muita raiva as vezes

     Por fim, a contratação de Luis Suárez é tecnicamente indiscutível. O argumento de que "3 estrelas em um mesmo ataque não vai dar certo" me parece tão científico quanto o de que comer manga e tomar leite pode matar, especialmente considerando que foi o próprio Suárez quem insistiu a se juntar a um clube em que sabe que não será a estrela maior. Você pode questionar o uruguaio do ponto de vista moral - e nesse tipo de discussão não existe certo e errado, apenas pontos de vista -, mas tecnicamente ele é uma melhora ao ataque. Zubizarreta afirmou que não existe "cláusula anti-mordida" no contrato dele, então a confiança é que o tratamento psicológico que o clube está fazendo com o jogador e o estilo de Luis Enrique sejam suficientes para controlá-lo. O tempo dirá. Nota: 9.

Leitura recomendada sobre Suárez (todas em inglês):

• ESPN - Suárez, um 'Serial Winner'http://espn.go.com/espn/feature/story/_/id/10984370/portrait-serial-winner-luis-suarez-soccer-most-beautiful-player

@lucasammr - O Barcelona está traindo o lema "Més que un club" ao contratar Suárez? O lema não tem nada a ver com issohttp://lucasammr.com/2014/07/09/more-than-a-slogan/

Stats Bomb -
Os perigos de previsões no futebol ou A Evolução de Suárezhttp://statsbomb.com/2014/05/the-danger-of-predictions-luis-suarez-edition/
O gif da evolução de Suárez http://statsbomb.com/2014/06/radar-love-the-evolution-of-luis-suarez/
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     Com tudo isso, como qualificar o último mercado de transferências do clube em um bom tempo? Eu diria satisfatório, faltando pouco para ser perfeito. Boa parte das necessidades do time - meio-campo, zaga e ataque - foram resolvidas. Outras, como a lateral-direita, nem tanto. Pode-se discordar de alguns nomes, mas não do critério utilizado nas contratações, que atenderam especificamente as carências do time nas últimas temporadas. Se o clube pecou, pecou mais por excesso (3 goleiros? 3 laterais-direito, ainda que um seja o Douglas?) que por falta, como já fizeram e prejudicaram o clube com isso em outras temporadas. Quanto às necessidades pontuais que aparecerem nos próximos anos, confio na capacidade de Luis Enrique de observar e utilizar os jogadores de La Masia para resolvê-las. Afinal, o clube se tornou o que se tornou com jogadores formados em casa. Esse tempo impedido de contratar pode ser uma benção disfarçada de maldição.

Nota do mercado de transferências: 8.

sábado, 26 de julho de 2014

Jérémy Mathieu

Por que Mathieu?



   Antes de tudo, €20M (ainda que parcelado e com entrada de apenas €10M, o que faz grande diferença no orçamento pelo fluxo de caixa) é um preço elevado para um jogador de 30 anos em situações normais. O problema é que não vivemos situações normais. Há outros fatores por trás desse preço, a citar:

   a) Inflação do mercado de transferências (David Luiz por €50M+ é só um exemplo);
   b) Valencia tem um novo dono, o bilionário Peter Lim. Não precisa vender seus melhores jogadores;
   c) O Barcelona gastou €80M+ em Luis Suárez, que não era exatamente uma prioridade. Nenhum time vai cobrar barato de um clube que tem essa quantidade dinheiro pra gastar.

   Isso dito, não reclamo de pagar €20M por um jogador que o técnico pediu. Muito pior é ignorar as necessidades do time e os pedidos do técnico, como fizeram repetidas vezes com Guardiola e Tito Vilanova, que queriam Thiago Silva ou outro zagueiro, mas por incompetência quem foi contratado foi Song. Reclamo no máximo de não o terem contratado antes de renovar com o Valencia, quando custava €8M.

   Preço à parte, por que Mathieu? Resumindo em 2 palavras: equilíbrio e versatilidade.

   Equilíbrio porque desde a saída de Abidal do time por motivos de saúde em meados 2012, que culminaram em sua saída do clube ao fim da temporada 2012-13, o time perdeu o equilíbrio defensivo nas alas. A combinação da solidez defensiva de Abidal com a tendência ofensiva de Daniel Alves dava equilíbrio ao time porque sempre havia pelo menos um jogador nos espaços que as subidas do brasileiro deixavam. Nas temporadas mais recentes, com Daniel Alves fisicamente abaixo do que já jogou e Jordi Alba, que é tão ofensivo quanto seu companheiro, isso mudou. O time frequentemente tinha sua defesa exposta, o que é fatal quando se joga a quase 30m de distância entre goleiro e zagueiros do time. Apenas Busquets na proteção da zaga, por melhor que ele seja, não dava conta de cobrir os espaços abertos pelos laterais. Além disso, Abidal tinha 1,86m e era ótimo nas bolas aéreas. Recentemente, sem ele, o time só contava com Pique (1,92m) e Busquets (1,89m) com mais de 1,80m em campo. É impossível defender bolas aéreas com anões. Para exemplificar: o aproveitamento do Barcelona em bolas aéreas hoje é de 51%, que é apenas razoável para os padrões de um time de ponta - o Real Madrid tem 58%, por exemplo.
   Quando utilizado na lateral-esquerda, Mathieu pode justamente replicar o efeito que Abidal tinha no time: equilibrar as laterais e dar liberdade a outros jogadores, o que será especialmente importante em um time com Messi, Suárez e Neymar titulares, todos com menos capacidade defensiva que Pedro, antes titular. Se utilizado junto de Pique, Busquets, Rakitic (1,84m), Suárez (1,81m) e o zagueiro que jogará ao lado de Pique, que provavelmente será alto, o time terá 6 jogadores com mais de 1,80m em comparação aos 2 da temporada passada. Faz uma diferença absurda na defesa de bolas paradas, maior deficiência do time.

   Versatilidade porque Mathieu é o tipo de jogador que permite variação tática sem mexer nas peças em campo. Em sua última temporada no comando do time (2011-12), Pep Guardiola começou a implementar a formação 3-4-3 como variação ao 4-3-3 a que os adversários começavam a se adaptar. Ainda que faltassem peças para a execução ideal da ideia - já faltava um zagueiro no elenco desde essa época -, a opção tática abria novas possibilidades ao time. O auge dessa formação foi um 3-1 no Real Madrid, em um time que tinha: Valdes - Alves Pique Puyol Abidal - Busquets Xavi Cesc - Iniesta Messi Alexis. De um 4-3-3 com Iniesta/Cesc aberto pela esquerda e Alexis na direita, o time variava para uma formação com 3 na defesa (Abidal, Pique e Puyol), 4 no meio-campo (Busquets, Xavi, Cesc e Iniesta/Messi) e 3 no ataque (Alexis, Messi/Iniesta e Alves). Essa formação povoava o meio-campo e, por consequência, aumentava o controle de jogo. Com Abidal como zagueiro pela esquerda, Busquets podia cobrir o lado direito e liberar os avanços de Daniel Alves. Alexis centralizava no ataque, liberando Messi para criar as jogadas no meio. O resultado da tática foi um jogo absolutamente controlado em que o único gol do Real Madrid nasceu de uma falha de Valdés, no começo do jogo. Fora isso, quase nenhuma chance criada por parte dos blancos.
   Variação tática é tão importante quanto qualidade individual e a prova disso era que Pep, mesmo com o melhor time do mundo na época, ainda buscava inovar. O fato de ser um zagueiro que também pode jogar de lateral-esquerdo, ambas desempenhadas em alto nível pelo Valencia, é o maior trunfo do francês na comparação com as outras opções especuladas. Conhecer e estar adaptado ao futebol espanhol também. Como o Barcelona ainda precisava do dinheiro para a contratação de outro zagueiro, o preço também foi fator decisivo (outros seriam €35M+). Se Mathieu proporcionar a versatilidade tática ao time que Abidal proporcionava, sua contratação pode ser uma das mais importantes do time nos últimos tempos.

Comparação estatística entre Mathieu, Benatia, Hummels, Marquinhos e Vertonghen


Mathieu Facts

- Mathieu fez na temporada 2013-14 mais interceptações de passe em sua metade do campo (65) que qualquer jogador do Barcelona. O que chegou mais próximo a ele no time foi Mascherano (54).

- O jogador reduziu sua pedida salarial, possibilitando ao Barcelona aumentar a oferta de 15 para €20M. O último jogador a fazer isso foi - olha só - Mascherano, quando deixou o Liverpool. Demonstra interesse.

- Recordes pelo Valencia na temporada: 32 jogos disputados (4 mais que qualquer outro jogador do chés); 80 interceptações de passe em todo o gramado (pelo menos 23 a mais que qualquer outro jogador deles); 61 disputas de bolas aéreas vencidas, também líder no quesito.

- Mathieu (1210) foi o 2º jogador com mais passes certos e mais lançamentos executados no time do Valencia na temporada anterior, superado apenas por Dani Parejo (1739). Líder da defesa e iniciador de jogadas.

- De todos os jogadores em La Liga, apenas um defensor do Osasuna (7) fez mais last-man tackles (que não tem tradução exata, mas é algo como desarme do último jogador antes do goleiro) que Mathieu (3).

- Mathieu marcou 7 gols em sua carreira pelo Valencia. Seu alvo preferido? Real Madrid: 2 gols.

ps: algumas estatísticas variam de um site pra outro porque os critérios são diferentes.